sábado, 7 de julho de 2012


Companheira de Viagem



Maurilio Tadeu de Campos



          Saímos juntos para a viagem dos nossos sonhos, dispostos a aproveitar ao máximo os dias de descanso e de lazer no continente europeu. No avião, ficamos em lugares separados. Porém, ao desembarcar, procurei-a inutilmente. Indaguei em vários lugares e ninguém soube me informar sobre o seu paradeiro.

          O tempo passava e eu ia ficando mais preocupado. Em cada hotel eu averiguava se havia alguma notícia, mas nenhuma informação positiva me era fornecida. Ela teria me abandonado? Estaria com outra pessoa? Teria tomado outro rumo sem me avisar? A ausência dela diminuiu a minha satisfação, o meu prazer. Cheguei a pensar em sequestro, mas nenhuma evidência sugeriria tal hipótese. Fiz novos amigos nos lugares em que visitei e, com eles, conheci os mais diversos pontos turísticos. Tudo parecia novidade e eu carecia de distração para não pensar mais na minha companheira de viagem que pensei ser inseparável, mas que desaparecera. Tudo o que queria era estar com ela, usufruir da sua presença. Outras companhias surgiram, mas nenhuma delas me atraia. Eram belas, muitas delas alegres, outras mais sóbrias. Algumas até pareciam ser jovens demais para mim. Porém, meu interesse era reencontrar a companheira sumida.

          Em Paris, fiquei sabendo que ela estaria me aguardando em Londres, no hotel. Fiquei feliz. Iria revê-la dois dias depois. Procurei aproveitar os passeios e quando tomei o trem de Paris a Londres, parecia que os ponteiros do relógio moviam-se mais devagar do que de costume. Finalmente, a chegada à capital inglesa. Lá, o nosso receptivo nos conduziu até o hotel. Entrei apressado e, sem demora, dirigi-me à recepção. Perguntei por ela. Um dos recepcionistas, educadamente, pediu que eu aguardasse. Minutos depois retornou, dizendo que ela não estava no hotel, sequer em Londres. Comprometeu-se, no entanto, a apurar novas informações. A tristeza novamente tomou conta de mim. Fui para o meu quarto e lá fiquei, deitado na cama, no escuro, frustrado. Qual teria sido o seu paradeiro? Por que haviam garantido que ela estava em Londres?

          Na manhã seguinte fui informado que ela embarcara num vôo de retorno ao Brasil, saindo de Madrid. Por mais que eu tentasse, não conseguia compreender aquela separação.

          Retornei ao Brasil. Quase um mês depois, bem cedinho, a campainha tocou. Abri a porta e lá estava ela, na companhia de um jovem rapaz muito alinhado. Teria ela que reaparecer depois de tanto tempo e, ainda por cima, acompanhada? O rapaz apresentou-se como funcionário da empresa aérea na qual havíamos viajado.

          - Senhor, - disse ele – tive a missão de trazer a sua mala, extraviada durante a sua recente viagem à Europa. Em nome da nossa companhia peço desculpas pelos eventuais transtornos.

          Olhei-a com estranheza. Depois de mais de um mês ela me pareceu diferente, quase uma estranha. Agradeci ao rapaz. Assinei uns papéis e levei minha ex-companheira de viagem para dentro. Quem sabe poderemos, num futuro próximo, fazer uma nova viagem e, então, nada irá nos separar.

A Nova Companheira


A Nova Companheira

Maurilio Tadeu de Campos



Férias. Novo passeio, desta vez a Portugal. Conheci a minha nova companheira de viagem numa agradável tarde de domingo. À primeira vista ela me pareceu um pouco ousada para os meus padrões mais conservadores. No entanto, a atração inicial definiu que iríamos juntos. No primeiro dia da viagem ela apareceu linda, repleta de adereços. Fomos juntos para o aeroporto e, após longo vôo chegamos a Lisboa. No dia seguinte iniciaríamos uma maratona de doze dias, que incluiria não somente a capital, mas várias outras cidades portuguesas.

Na viagem que fiz há dois anos, a minha outra acompanhante sumiu assim que o avião pousou em Madrid, aparecendo um mês depois. Passei, então, a ter certo receio de que isso pudesse ocorrer novamente. Estava como “gato escaldado” e precisava cuidar melhor para que não acontecesse fato semelhante. A jovialidade da atual companheira deixava-me ressabiado, pois temia que ela se esvaísse e que eu, pela segunda vez, passasse pela mesma situação. É bom esclarecer que não pude viajar com a antiga companheira pois ela estava impossibilitada. Na viagem anterior ela se acidentara e não se encontrava, ainda, pronta para um novo passeio.

Após dois dias em Lisboa partimos para o sudeste de Portugal. Chegamos a Évora, eu e a minha jovem acompanhante. Apesar de ligeiramente tranquilo estava apreensivo, permanecendo assim também em Tomar, Coimbra, Régua, Guimarães e nas demais cidades lusitanas. Porém, quando saíamos, sempre pela manhã, estávamos juntos. Cada dia uma nova cidade e um novo hotel. E a minha acompanhante sempre comigo, sem que eu observasse nela qualquer embaraço ou indisposição. Notei, porém, que com o passar dos dias ela me pareceu um pouco mais rechonchuda e, coincidentemente, com menos adereços. Eu, que prestava atenção a ela diariamente, tornei-me ainda mais cuidadoso. Quando chegamos à cidade do Porto ela passou a ficar no quarto, “a descansar” das inúmeras viagens de ônibus que fizemos naqueles dias. Eu saia a passeio e, ao retornar, lá estava ela, tranquila, a minha espera.

Finda a viagem, preparamo-nos para regressar. Prontos, fomos para o aeroporto. Embarcamos e, muitas horas depois o nosso avião tocou o solo brasileiro. Já no Brasil, a minha fiel e jovial amiga continuava junto a mim. Chegamos em casa e, dias depois, pude reunir as companheiras de viagem: a mais velha, tão formal como eu, e a mais nova, já pronta para uma próxima viagem. Não estou me referindo a pessoas e sim a duas malas de viagem, a antiga, que se avariou há dois anos, e a atual, adquirida para substituir a outra, que estava com a fechadura quebrara. Os tais adereços colocados na mala nova e que foram se perdendo, eram, de fato, etiquetas coloridas, usadas para que eu melhor identificasse a minha bagagem entre outras tantas, nos aeroportos. E a mala nova ficou mais “gordinha” porque foi recebendo coisas novas, adquiridas durante a viagem. Comparando as duas malas, ótimas companheiras de viagem, confesso que preferiria ter levado a mais antiga, mais parecida comigo, sem desmerecer, é claro, a mais nova, que cumpriu muito bem a sua missão.

sábado, 28 de janeiro de 2012

                         Elis, a estrela do Brasil

Maurilio Tadeu de Campos



“Ah, como essa coisa é tão bonita / Ser cantora, ser artista / Isso tudo é muito bom...”  (Joyce/Ana Terra)



     Sorriso nervoso de dentes pequenos, gestos de braços se agitando combinados ao canto forte. Elis chamou a atenção e imediatamente conquistou inúmeros fãs. Na era dos Festivais, ainda no tempo da TV em preto e branco, assisti a final do Festival Nacional da Música Brasileira de 1965. Elis imprimiu seu talento a uma bela canção de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, Arrastão, que venceu o Festival. O Berimbau de Ouro foi parar nas mãos dos seus autores, que o repassaram à intérprete por merecimento. Elis projetou-se nacionalmente, porém, com a canção Menino das Laranjas de Theo de Barros e Geraldo Vandré. E mostrou a que veio: ser a melhor intérprete da música popular brasileira de todos os tempos. E foi se renovando, ampliando seu repertório, revelando novos e já conhecidos compositores, deixando a sua marca de mulher combativa e determinada. Apesar de ter vivido apenas trinta e seis anos notabilizou-se como artista e ainda hoje é referência na canção popular do Brasil e de além fronteiras. Descoberta em Porto Alegre, sua cidade natal, surgiu para a música e consolidou-se como grande cantora. Procurou trabalhar a sua voz como se fosse um instrumento, extremamente afinado, dominando graves e agudos com facilidade. Numa entrevista revelou que cantar era o que mais gostava de fazer; e isso ela fazia isso muito bem, com segurança e perfeição. O sucesso marcou a sua trajetória de artista, aplaudida e reverenciada em muitos palcos brasileiros e do exterior.

     Sempre em busca de maior esmero técnico roçou, com algum risco, períodos de interpretações mais frias, mas soube imprimir à sua carreira momentos vibrantes, intensos, como grande atriz do canto, combinando emoção à técnica de grande intérprete. Seus shows foram disputados por platéias ávidas e numerosas, como em Falso Brilhante, que teve mais de mil apresentações e ficou dois anos em cartaz. Transversal do Tempo foi outro espetáculo cuja polêmica marcou uma fase altamente politizada da cantora em anos difíceis. Saudade do Brasil, outro de seus shows em que a popularidade e a grandiosidade de Elis podiam ser observadas em suas interpretações. E o seu último, O Trem Azul, confirmou a sua versatilidade. Soube conduzir com maestria vários programas de TV, a partir de O Fino da Bossa, apresentados, todos, com talento e, acima de tudo, com carisma e precisão.

     No auge da carreira e repleta de planos saiu da vida, inesperadamente. Ficamos atônitos. Não conseguimos aceitar que, de repente, o Brasil perdia a sua melhor intérprete popular. O rádio, a TV e outros meios de comunicação voltaram-se à morte de Elis. Naquele 19 de janeiro de 1982 nada mais se ouvia a não ser o som da sua voz e as imagens das suas apresentações. As notícias expunham o que não queríamos acreditar. Choraram Marias e Clarices; chorou a nossa Pátria, mãe gentil. Hoje vemos e ouvimos Elis por meios eletrônicos, como desenhos de luz, agrupamentos de pontos, de partículas, processamentos de sinais, uma forma nebulosa feita de luz e sombra, como uma estrela. Há exatos trinta anos Elis Regina intensificou seu fulgor de estrela de primeira grandeza e jamais será esquecida. Brilhará eternamente no universo da música popular de todos os tempos.






sábado, 14 de janeiro de 2012

Presentes de Deus


Maurilio Tadeu de Campos

Tarde de domingo, ensolarada. Estava no Deck do Pescador observando o sol estender o seu rastro dourado sobre o mar, na entrada do estuário. Essa cena levou-me à fantasia de um caminhar imaginário naquele tapete estendido pelo astro rei que se despedia para retornar, admirável, no novo amanhecer. Nos rostos das pessoas percebi o prazer que a natureza proporcionava, fazendo todos se irmanarem, cúmplices da magia astral que conduzia ao êxtase completo, à paz, à felicidade. Barcos de diversos tipos e tamanhos cortavam o mar e seguiam pela esteira dourada, num vaivém frenético de quem quer ir ou chegar por esse mar tão nosso e tão próprio da nossa cidade, limite da orla sem limites para o Atlântico.

Em Santos, nos lugares em que costumamos frequentar, acabamos por encontrar pessoas conhecidas e, naturalmente, os laços de amizade vão sendo fortalecidos, mesmo que, inicialmente, nem saibamos direito as identidades dos rostos já familiares e, quase sempre sorridentes. Cada rosto passa a ter um toque conhecido e quando ficamos juntos nos sentimos bem. O pertencimento é o traço de união; estamos na mesma cidade, que escolhemos para nascer e viver, essa Santos marítima que mistura o trabalho e o lazer e nos faz muito bem. E nessas tardes quentes e ensolaradas, reencontrar amigos é inevitável. A busca pela brisa que suaviza o calor vem reger esses instantes agradáveis. Respiramos profundamente e absorvemos a maresia que está impregnada na atmosfera benfazeja; é bom desfrutar desse ar, que nos traz a energia necessária para que enfrentemos bem os dias seguintes. Nos encontros, trocamos sorrisos afetuosos, apertos de mãos, cumprimentos, atos comuns aos que se querem bem.

O verão nos oferece dias mais longos, tardes quase intermináveis em que o poente proporcionado pelo Sol é a constatação de que a porta do dia vai se fechando vagarosamente, conduzindo nossos pensamentos aos sonhos e às coisas boas realizadas ao longo da nossa vida. E cada vez que a porta de um novo dia se abre, nos sentimos preparados para continuar a nossa trajetória de cidadãos do mundo, impulsionados para novos momentos a experimentar.

E eu, ali, naquele deck, extasiado, em meio a um emaranhado de varas de pescar e de semblantes ansiosos vi surgir à minha frente uma suave nave branca, vagarosa, imponente e bela. Braços passaram a se agitar, para as despedidas. Do navio muitos acenaram e nós, ali, retribuímos, como se a desejar boa viagem. E o tapete dourado produzido pelo sol é rasgado pela proa do transatlântico que passa imperante rumo ao oceano. Um apito grave nos acautela e parece nos dizer: “Até breve, vou até ali e já volto”. Logo depois, outros navios, tão majestosos quanto o primeiro, também desfilam pela passarela dourada, espargindo esperanças e conduzindo sonhos, misturados ao lazer e ao entretenimento.

Voltei para casa com as imagens daquele fim de tarde de domingo, tão parecido com tantos outros, mas, ao mesmo tempo diferente. Os domingos jamais serão todos iguais, pois cada um nos traz a sua especial e doce individualidade, que guardamos em nossa memória com alegria e emoção. Em pensamento agradeci a Deus por ter assistido a uma sequência de performances tão singulares, presentes de valor incalculável, oferecidos de graça, numa mistura do progresso do homem e, sobretudo, da grandiosa obra de Deus.

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