domingo, 24 de julho de 2011

Atos Solidários (?)

Numa dessas noites frias de julho vi um pequeno grupo de moradores de rua, acomodados sob a marquise de um supermercado, ocupando o chão forrado com caixas de papelão abertas, usadas para isolar a friagem transmitida pelo piso. Fiquei incomodado com aquela situação. Poderia fazer alguma coisa por eles? Fui até minha casa e, com a ajuda da família, preparei uns sanduíches e uma garrafa de café. Peguei também alguns cobertores que não seriam mais usados em casa. Coloquei tudo numa sacola e voltei à porta do supermercado que, naquele horário já encerrara suas atividades. Cheguei cauteloso. Eram três homens, deitados, já preparados para dormir, enrolados em cobertas surradas e mal cheirosas. Cheguei devagar e, não pretendendo assustar, anunciei minha presença com voz mansa. Um deles levantou a cabeça e eu falei que estava ali para trazer um lanche. Logo, os três sentaram, esperando a minha doação. Ofereci a cada um deles um copo e fui servindo o café, entregando os sanduíches, cuidadosamente embrulhados. Eles começaram a comer enquanto eu os olhava num misto de satisfação e pena. Estava, porém, oferecendo pouco. Não seria aquele lanche que resolveria toda a situação daquelas vidas, repletas de maus tratos e de abandono. De repente, um deles fitou-me diretamente nos olhos. Foi um instante em que a comunicação visual disse quase tudo. Ele transmitiu, naquele olhar, a sua gratidão, mas eu percebi a desesperança de um homem sem perspectivas e que chegara ao fundo do poço. Logo depois, querendo complementar a comunicação, ele disse: “Hoje a gente estava com mais fome do que frio, mesmo com esse tempo. É difícil dormir assim. As cobertas ajudam a esquentar, mas com o estômago vazio fica complicado pegar no sono. Muito agradecido pelo lanche, moço. Se quiser trazer sempre, vai ser bom demais”. Um sorriso triste brotou dos lábios daquele homem, que tentou retribuir minha generosidade com algumas palavras de agradecimento. Os outros também agradeceram pelo lanche e disseram ainda que já estavam acostumados àquela vida e que, em noites muito frias, eram obrigados a procurar locais mais protegidos para suportar o tempo, as vezes chuvoso. Uma sensação de mal estar dominou meus pensamentos. O café e os sanduíches não eram suficientes para resolver a situação deles. Viriam, certamente, outros dias de frio e fome ao desabrigo. Eu havia trazido dois cobertores e eles eram três. Isso, porém, não foi, para eles, o maior problema. Combinaram e distribuíram as cobertas, dividindo tudo, de forma solidária. O mais velho de todos ficou com o cobertor mais volumoso porque, de acordo com o mais moço, era quem precisava ficar mais aquecido; esse ato de humanitarismo serviu-me de exemplo. A vontade de ajudar poderia ser maior do que, simplesmente, fazer algo de bom num único momento da vida daqueles homens. Antes pensara que, agindo assim, estaria em paz com a minha consciência. Estava enganado. A vida não se resume em apenas um dia. A dignidade humana não pode ser tratada com um simples ato isolado. Voltei para casa apreensivo, desejoso de fazer algo mais por aquelas e por outras pessoas. Seria preciso procurar um clube de serviços comunitários para me engajar como voluntário, talvez, aproveitando meu tempo livre para ajudar pessoas carentes e necessitadas de auxílio. Aquele meu gesto quase humanitário foi um alerta para que eu compreendesse que estava muito distante da bondade ainda não colocada em prática por puro comodismo e pela ausência de uma efetiva atitude cidadã de amor e de respeito ao meu semelhante.

2 comentários:

  1. Muito bom, Maurilio! É preciso que repensemos nossas atitudes em relação ao espírito fraternal e humanitário. Naquele dia, ouviremos de Jesus: "Tive fome e não me deste de comer, tive sede e não me deste de beber, estive nu e não me foste visitar... Não vos conheço!"

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  2. Esther Ribeiro Gomes24 de julho de 2011 às 18:02

    Ótima crônica, Maurílio! Sei bem o que você deve ter sentido... Quando morava em Sampa, às vezes, nas noite frias, ia levar cobertores aos mendigos que moravam debaixo dos viadutos. Eles ficavam tão felizes e agradecidos por tão pouco, que eu me sentia culpada por não poder fazer mais! Aqui no Guarujá, eu sempre comprava lanche pro Nestor, que vivia sujo e faminto pelas ruas. Um dia chamei o pessoal da Ação Social e eles o levaram pro abrigo. Lá, Nestor tomou banho, cortaram seu cabelo, fizeram sua barba e lhe deram sopa e cama quentinhas. Alguns dias dp, eu o encontrei novamente sujo e faminto pelas ruas... Quando lhe dei o lanche perguntei pq saíra do abrigo tão depressa e ele me respondeu: Prefiro as ruas, não troco minha liberdade por nada neste mundo! Beijão, Esther

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